terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Descoberta da USP pode ajudar a tratar cardiopatia


Uma das sequelas mais graves da doença de Chagas é a cardiopatia decorrente de uma inflamação crônica no músculo do coração – a miocardite –, que destrói o órgão lentamente. Pesquisa recém-concluída na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), ajudou a compreender melhor a participação do sistema imunológico nesse processo, abrindo caminho para novos tratamentos.
Segundo os resultados divulgados em dezembro na revista PLoS Neglected Tropical Diseases, dois tipos de linfócitos – as células T reguladoras (Treg) e as células T auxiliares ou “helpers” 17 (Th17) – são os principais responsáveis por modular a intensidade do ataque ao parasita causador da doença: o Trypanosoma cruzi.
Quando esses linfócitos estão diminuídos no organismo do hospedeiro, o ataque ao T. cruzi é mais intenso e, consequentemente, a agressão do próprio sistema imunológico ao coração também é maior. Já os portadores de doença de Chagas com maiores quantidades de Treg e de Th17 circulantes apresentam melhor prognóstico e um quadro assintomático na fase crônica da doença.
“Em camundongos infectados por T. cruzi, mostramos que, se o funcionamento dessas células é inibido, o animal morre em decorrência da miocardite. Mas quando a atuação dessas células está exacerbada também é ruim, pois o organismo não consegue controlar a multiplicação dos parasitas. Essas células são necessárias, mas na quantidade certa”, explica João Santana Silva, professor da FMRP-USP e coordenador da pesquisa apoiada pela FAPESP.
Posteriormente, com base na análise de amostras de sangue de pacientes com doença de Chagas, os cientistas viram que também em humanos há uma relação clara entre a quantidade de Treg e de Th17 circulante e a gravidade da miocardite.
“Com base nesse conhecimento, é possível predizer quais pacientes assintomáticos são mais suscetíveis a desenvolver cardiopatia. A descoberta também abre caminho para o desenvolvimento de medicamentos capazes de aumentar a produção de Treg e Th17 e modular a resposta imunológica”, diz.
A doença de Chagas, cujo transmissor é o besouro barbeiro (Triatoma infestans), é a principal causa de miocardite. Segundo dados da Fiocruz, estima-se que haja aproximadamente 20 milhões de pacientes infectados na América Latina. Entre 25% e 35% devem desenvolver alterações cardiovasculares.
De acordo com Silva, acreditava-se no passado que não havia necessidade de tratar chagásicos assintomáticos, pois a principal droga usada contra o parasita – o benzonidazol – causa fortes efeitos colaterais e é contraindicada em muitos casos. Além disso, os benefícios do tratamento não estavam bem definidos.
Estudos recentes, no entanto, mostram que todos os portadores de Chagas evoluem, mesmo que muito lentamente, para a cardiopatia. “A velocidade do processo degenerativo vai depender da produção de células Treg e Th17”, conta Silva.
Essas células, assim como os demais linfócitos, são produzidas na medula óssea e compõem o grupo dos chamados glóbulos brancos. “Até pouco tempo atrás, eram conhecidos apenas dois tipos de células T auxiliares: a Th1 e a Th2. Recentemente foi descoberta a existência de vários outros tipos, sendo os mais importantes Treg e Th17. Quando o Projeto Temático começou, pouco se sabia sobre o papel dessas células recém-descobertas”, diz Silva.
Depois de ativadas pelo contato com o patógeno, explicou o pesquisador, as células T auxiliares produzem uma série de mediadores que ativam outros tipos de leucócitos e disparam a resposta imunológica específica contra o antígeno.
“As células Th17 estão envolvidas em doenças autoimunes, como artrite e diabetes. Por isso, acreditava-se que a presença delas no organismo estava relacionada com um mau prognóstico. Em nossa pesquisa, porém, vimos que, na infecção por T. cruzi e na leishmaniose, ela é benigna. Atua em parceria com a Treg para frear a resposta imunológica prejudicial”, afirma Silva.
A produção de Treg e de Th17 pode ser influenciada por fatores genéticos, doenças prévias, alimentação e pela microbiota intestinal, explicou Silva. No caso da doença de Chagas, a interação com o parasita também é fator determinante. “Em camundongos vimos que algumas linhagens do parasita estimulam mais a produção dessas células. Isso é determinado logo no início da infecção”, disse.
Estudos paralelosEnquanto a busca por uma droga capaz de modular a produção de Treg e de Th17 não começa, os pesquisadores da FMRP, em parceria com o Instituto de Química de São Carlos, também da USP, trabalham no desenvolvimento de novos medicamentos capazes de matar o T. cruzi de forma mais eficiente e com menos efeitos colaterais do que o benzonidazol.

“Um dos fármacos em teste tem uma molécula de rutênio que libera óxido nítrico – a mesma substância produzida pelas células para matar o parasita –, além de benzonidazol acoplado. Testes feitos em camundongos mostraram que ele foi capaz de matar o T. cruzi com uma dose mil vezes menor que a do benzonidazol isolado”, comenta Silva.
De acordo com o pesquisador, a grande vantagem do candidato a fármaco é a liberação lenta e direcionada dos compostos ativos, diminuindo assim seus efeitos colaterais.
Paralelamente, o grupo coordenado por Silva também investiga o papel das células Treg e Th17 em alguns tipos de câncer e de doenças infecciosas, como a leishmaniose.
Ao analisar amostras de biópsias feitas em portadores de leishmaniose cutânea, causada pelo protozoário Leishmania braziliensis, os cientistas constataram a presença de Treg e de Th17 nas lesões de pele.
“Acreditávamos que os pacientes desenvolviam as lesões pela falta de Treg e de Th17, mas vimos que elas estão lá e estão muito ativas. Se não estivessem, a lesão seria muito maior”, diz Silva.
Em experimentos feitos com camundongos infectados com L. braziliensis na região auricular, os cientistas bloquearam a ação da Treg e da Th17. A doença agravou-se de tal forma que alguns animais ficaram sem a orelha.
No momento, o grupo investiga o papel desses linfócitos nas infecções pelo Leishmania chagasi, que causa uma forma mais grave da doença conhecida como leishmaniose visceral.
“Também no caso da leishmaniose é possível pensar em uma terapia com citocinas (moléculas produzidas pelas células de defesa) para estimular a atividade do sistema imunológico dos afetados”, afirma Silva.

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