sábado, 11 de agosto de 2012

DNA cigano

Cada vez mais pesquisadores identificam funções importantes desempenhadas por trechos do DNA antes considerados lixo. Entre esses segmentos do material genético estão os chamados elementos de transposição ou transposons. São fragmentos que, a qualquer momento, duplicam-se ou se destacam de onde estão e se instalam em outras partes do DNA, às vezes junto a genes essenciais ou até em meio à estrutura desses genes. Na investigação desses curiosos personagens moleculares, o grupo da bióloga Marie-Anne Van Sluys, da Universidade de São Paulo (USP), ataca o genoma da cana-de-açúcar em bloco – um enfoque inovador. E mostra que os movimentos desses fragmentos são menos aleatórios do que se imagina e possivelmente têm papel importante na dinâmica do genoma.

Essa análise em ampla escala tornou-se possível graças aos resultados do Projeto Genoma Cana-de-Açúcar (Sucest), encerrado em 2001, que desvendou sequências do genoma funcional dessa planta essencial na economia brasileira e revelou a existência de 276 elementos de transposição ativos – ou expressos, no jargão da biologia. 

A partir dos resultados do Sucest e do aumento da capacidade de gerar e analisar enormes volumes de dados, o grupo de Marie-Anne se debruçou de 2009 em diante, em colaboração com colegas do estado de São Paulo, no sequenciamento de mil pedaços seletos do genoma da cana-de-açúcar. Sua equipe hoje parece uma linha de produção de conhecimento científico, e de certa maneira é: uma série de artigos deste ano traz avanços importantes sobre o funcionamento dos transposons.

“Fomos os primeiros a mostrar molecularmente que os elementos de transposição têm padrões individualizados”, explica Marie-Anne. Isso significa que, quando um desses fragmentos de DNA se destaca de sua localização de origem, seu destino não é tão aleatório como se pensava. Cada família de transposons tem uma tendência maior a se instalar em determinados cromossomos ou regiões cromossômicas. Ao estabelecer esses padrões, Marie-Anne espera caracterizar como essa interação influencia a ação dos genes.

Os elementos de transposição podem ajudar a identificar e controlar o funcionamento de genes como os responsáveis pela resistência à seca, contribuindo para a produção de variedades adaptadas a ambientes mais áridos. Mas o interesse econômico nem é o principal para os geneticistas vegetais, que consideram o funcionamento genético da cana-de-açúcar interessante por si só devido à origem híbrida e às duplicações que fazem com que a espécie tenha um genoma múltiplo, com várias cópias de cada gene. Parece fascinante imaginar que pequenos fragmentos de DNA, que se movimentam de um lado para o outro dentro do núcleo da célula, como se fossem ciganos, podem ter contribuído para que a cana-de-açúcar não fosse apenas mais uma espécie entre muitos tipos de capim.

Leia o artigo completo na Revista Fapesp

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