sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Aprovado feijão transgênico

Modificação genética protege plantas contra vírus causador do mosaico dourado

Campo de feijão, vítima frequente de vírus
A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) aprovou na quinta-feira (15/09) a produção de um feijão geneticamente modificado desenvolvido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). A alteração impede que a planta contraia a doença conhecida como mosaico dourado, capaz de dizimar plantações inteiras. “O que está em jogo não é só o feijão”, afirma o engenheiro agrônomo Francisco Aragão, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (Cenargen), um dos responsáveis pelo desenvolvimento do novo transgênico junto com Josias Faria, da Embrapa Arroz e Feijão. “O que está em jogo é também o fato de que demonstramos que é possível gerar e produzir essa tecnologia no Brasil, e numa instituição pública.”
O mosaico dourado causa danos em todos os lugares em que se cultiva feijão nas Américas. No Brasil, só não é um problema no Rio Grande do Sul, onde a mosca-branca transmissora não se adapta bem ao frio. Segundo estimativas da Embrapa Arroz e Feijão, entre 9 e 18 milhões de pessoas encheriam os pratos de feijão com as safras perdidas para a doença.
Para combater o vírus, os pesquisadores da Embrapa fizeram uso dos próprios mecanismos de defesa do feijão. Aragão explica que as plantas, em vez de anticorpos, combatem as doenças com pequenos fragmentos de RNA, o RNA de interferência (RNAi). É um sistema imunológico inato, embutido no material genético do organismo. No caso específico do feijão e desse tipo de vírus, o RNAi evita que seja produzida uma proteína (REP) essencial para a replicação dos invasores. Mas essa defesa não é ativada de imediato, e por isso com frequência não basta para conter a multiplicação do vírus. “É como uma barragem com um furinho que vai se alargando à medida que a água passa”, compara. “O que nós fizemos foi tapar o furo.”
Eles “taparam” o furo antecipando a produção dessas moléculas de RNAi. Isso foi possível pela inserção no DNA da planta do trecho do material genético viral para a produção dos pequenos RNAs que regulam a produção da proteína REP. Essas moléculas também são produzidas no feijão comum, mas na planta transgênica um promotor (algo como um interruptor que, quando ligado, ativa o gene a que está atrelado) constitutivo faz com que esse RNA seja produzido o tempo todo. Assim, o vírus é combatido de imediato a qualquer momento que entre nas células das folhas, das vagens ou do caule do feijão.
Mas, para que uma planta transgênica seja aprovada, não basta fazer a engenharia genética. Aragão e seus colegas vêm estudando a planta desde 2005, e viram que nada é alterado. “Fizemos a caracterização molecular, agronômica e nutricional em termos de vitaminas, aminoácidos e açúcares”, conta o pesquisador. Eles também alimentaram animais com o feijão modificado, e não detectaram alteração alguma.
Além de reduzir a mortalidade nas lavouras de feijão, o aumento na capacidade de a planta combater a doença por conta própria reduziria em muito o uso de inseticidas nas plantações, usados para combater as moscas-brancas. A produção se tornaria assim menos nociva à saúde e também mais barata.
A aprovação na CTNBio se deu por votação depois de análise técnica de um relatório de 500 páginas elaborado pelos pesquisadores da Embrapa. Mas ela não é o fim do caminho. “Vamos agora fazer os ensaios para registrar as principais variedades de feijão, que devem demorar um ano e meio”, conta Aragão. Os estudos até agora foram feitos com o feijão-carioquinha, o mais plantado no país. Em seguida, será a vez do feijão-preto e do roxinho. “Em 3 anos devemos ter as sementes para os produtores”, prevê. Outra vantagem desse feijão modificado é a estabilidade: a partir da leva inicial, os produtores serão capazes de produzir por conta própria as sementes com as mesmas características.
Isso, claro, se a aprovação se mantiver. “Os ativistas contra transgênicos são mais enfáticos contra esse transgênico, produzido no Brasil, do que contra os feitos pelas grandes empresas internacionais”, lamenta Aragão. Para Walter Colli, professor do Instituto de Química da Universidade de São Paulo e presidente da CTNBio entre 2006 e 2009, “a justiça cometerá uma injustiça se barrar o feijão da Embrapa”. Ele explica que a comissão é constituída por lei e composta por cientistas que entendem dos processos íntimos da genética, habilitados para avaliar os possíveis riscos das modificações feitas nas plantas.
“A tecnologia empregada por Aragão é limpa, linda e original”, sentencia Colli. Caso entre de fato em produção, o feijão da Embrapa será a primeira variedade modificada produzida no Brasil, sem participação das grandes empresas multinacionais.


Saiba mais:
Conhecimento no campo, sobre feijões resistentes ao mosaico dourado
De servo a senhor, sobre RNAi

Fonte: FAPESP

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